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Arrogância, nenhuma pompa
Arrogância, nenhuma pompa
foi crucificado ou crucificou-se
Seu martírio veio da pura imperfeição
Genuína fraqueza, seus ferimentos, pois rastejava apenas
Um incomensurável azar, seu carrasco
Vivia crucificado
Na horizontal, canetas fincadas nas mãos, uma viga de papel
Letras, sílabas, palavras, versos, sobrepunham-se
Formando a cruz
E como não tivesse quem o erguesse a prumo
Deitado seguia seu suplício olhando o céu
E pensava
em pedir perdão porque escrevia
urbanas
A luz me acendeu
O telefone me falou que eu ia
Enquanto o jornal me lia
Chamei a atenção da buzina
– O cinema me veio –
Um som me ouviu ao longe
E a avenida andou depressa
Idiotia
Os jovens experimentam a iconoclastia
Até que se grite: EI!
É claro que todo conservador de vinte anos é um idiota
Que o senhor socialista é um idiota
Que esse frasco é um idiota
É claro que há corrupção
É claro que uns sim, uns não
Mas todos, todos, todos
E décadas se passaram
E só eu lembro de Funes,
mas estou vivo, vivo,
Vivo por agora e por aqui adentro
Comensais
– Bom dia, principal!, disse o alternativo.
– Muito bom dia, alternativo! Que bons ventos o trazem?, disse o principal.
– Trago uma fantástica garrafa de cabernet, para seu deleite.
– Muito amável de sua parte, tenho aqui umas tacinhas da Boêmia…que já as conhece, verdade? Alternativo sorriu e continuou: – Aliás, jamais seria tão cabotino de não prestar-lhe a vênia do reconhecimento. Nunca deixo de lembrar que esse néctar não estaria em nosso banquete, não fosse a sua vigilância.
– Não tem de quê, alternativo. Pela arte e pela cultura. – ergueu a taça de cristal contra a terça-feira ensolarada, o augusto âmbar projetou o caramelo-púrpura em suas faces gordas. Escrutinou o aroma da delicada bebida com suas narinas sem pelos. Finalmente, não sem antes voltivolear o líquido do delicado recipiente, tenteou um pequeno gole. – Soberba fermentação, fantástica!
– Eu sabia que seria do seu agrado. As notas tânicas hão de adstringir as dificuldades da vida. – e mostrou os dentes no que seria uma gargalhada sem som.
– Mas…seriam notas de chocolate o que percebo? Talvez cassis…
– Sem dúvida, principal, seu palato é uma potência…À nossa! Ad vitam aeternam!!
– Ah, alternativo, alternativo. Só mesmo você para trazer à lembrança nossa tradição romana em tempos de ameaças graves ao nosso humílimo império. – e golpeou conjurando por três vezes a mesa de madeira-de-lei do solário onde se encontravam (elegante e dissimuladamente, com a ponta dos dedos – mas não sem que alternativo notasse e mudasse de expressão, comiserado).
– Tem estado ruim, não? – indagava alternativo, mas prosseguiu: – As coisas sempre se ajeitam, já sabemos, a história nos conforta.
Principal havia deixado sua mente perambular: o olhar vago, preso a um ponto distante que só poderia ser o da fuga imaginada, enquanto instintivamente trabalhava a bebida com as mãos, com o olhar, com os goles. De súbito, como que chacoalhando maus pensamentos (que seriam um desrespeito à tão excelentes uvas) para fora das idéias, enquanto era observado com anuência por alternativo, resolveu ater-se a assuntos mais prazerosos e à mão: Mas, afinal, de que safra, de que casa seria este vinho maravilhoso?
– Rouanet, 2009, disse alternativo.
– Excelente, excelente…