Não sou dado a ler orelhas de livros, prefácios, resenhas de filmes e coisas do gênero. Ainda que ninguém deva ficar surpreso ao ver o Titanic afundar, ou ao descobrir que Romeu e Julieta não viverão felizes para sempre, vale a pena economizar o surpreendente sempre que possível.
Nessa toada, mantive “As aventuras do Sr. Pickwick”, de Charles Dickens, estacionado na prateleira por muitos anos. Ignorante de tudo o mais, evitando encontrar tristezas e ternuras, órfãos sujos brigando por um seco e mísero “loaf of bread”, avarentos em Natais solitários, o tijolinho abrigava as aranhas que quisesse.
Bastou respirar fundo e tomar coragem – não sei se estava a fim de “giletes, por favor” ou se o escasso bom humor me visitava – para ser surpreendido com um livro não só engraçado do início ao fim, mas que chegou a arrancar umas gargalhadas.
“As Aventuras do Sr. Pickwick” foi publicado primeiro entre 1836 e 1837 aos capítulos, que eram vendidos avulsos. Tornou-se um fenômeno literário, gerando cópias piratas, gravuras, compilações de piadas e frases dos personagens mais populares.
Charles Dickens tem um grande gênio para construir personagens, que não precisam ter traços escandalosos para que haja individualidade e profundidade. O protagonista, à la Quixote, troca a fidalguia deste pela aristocracia iluminista, mas sempre cavalheiresca. E patética e engraçada.